— Olá, Daniil! Você é um dos jogadores de xadrez mais fortes do mundo, mas o poker também tem um papel importante na sua vida. Conte como você conheceu o jogo?
— Olá! Acho que vem da minha família, especialmente do meu pai. Ele jogava preference e deberts na plataforma Gambler e, aliás, jogava muito bem. No sítio, eu jogava "burro" com minha avó. Então a ideia de que cartas não são um pecado mortal me acompanha desde a infância.
Minhas lembranças de como o poker apareceu na minha vida são mais vagas. Quando eu era adolescente, todo mundo estava no VKontakte. Havia um aplicativo absurdo chamado Poker Shark. No começo, jogava ali com fichas de mentira, depois passei para as fichas de mentira no PokerStars.
— Você se lembra da sua primeira vitória real no poker?
— Ganhei alguma coisa num freeroll no PokerStars, se é que dá para chamar de vitória. Fiquei em terceiro ou segundo lugar, ganhei uns trinta dólares. Era pouco, mas parecia um verdadeiro feriado!
— Que papel o poker tem na sua vida hoje?
— Tenho dois amigos próximos que são regulares, e jogo bastante cash de Omaha. Nos feriados, até sento no PLO MasterMind. Mas no geral, sou mais um amador clássico com experiência. Não me aprofundo muito na teoria; se algo estiver totalmente obscuro, pergunto para os caras. Quase sempre assisto às mesas da Triton.
— Com o surgimento dos solvers, a teoria do poker mudou muito. Como a chegada da IA mudou o xadrez? Existe GTO no xadrez?
— Quando comparamos xadrez e poker, é importante traçar os paralelos corretos. Ambas as disciplinas são interessantes e intelectuais, mas o xadrez, ao contrário do poker, não é um jogo de informação incompleta, outros princípios funcionam aqui.
Diz a lenda que Doyle Brunson quase pegou um baralho na mão e começou a lidar as cartas para entender a equidade das mãos. No xadrez também existe uma "calculadora". Com a chegada da IA, ficou incomparavelmente mais fácil sentir as nuances de uma posição e aprender a jogá-la de forma mais ou menos sensata. Antes, isso exigia semanas; hoje, uma noite basta. Nesse sentido, o jogo mudou muito.
Em um sentido amplo, o conceito de GTO no xadrez pode ser aplicado ao repertório de aberturas. Existem aberturas com reputação impecável e outras mais arriscadas. De vez em quando, você deve "adicionar blefes" e jogar algo um pouco duvidoso, porque se você "entrar" sempre com apenas algumas boas aberturas, todos vão se preparar só para elas. E se você jogar "bobagens" de vez em quando, seu oponente precisará de mais tempo para se preparar.
Então, sim, existem paralelos, mas os jogos ainda são diferentes. Acho que o poker é um jogo mais complexo e mais próximo da vida real.
— Em uma entrevista ao canal World Chess, você disse que seu estilo no xadrez se assemelha ao poker por conta da avaliação correta da equidade. Pode explicar essa ideia?
— No xadrez, existe, digamos, uma "força da mão". No poker, você pode formar uma combinação — digamos, dois pares ou uma trinca — e no xadrez existe uma avaliação objetiva da posição. Muitas vezes acontece que a equidade de um monster draw no flop pode ser maior do que a de uma mão feita.
Existem situações no xadrez em que não vale a pena fazer o movimento mais forte. Um exemplo simples: se você tem uma hora no relógio e seu oponente tem um minuto, você pode se desviar da melhor opção (segundo o computador) dentro de limites razoáveis. É mais vantajoso manter mais peças no tabuleiro, porque é muito mais difícil para uma pessoa jogar uma posição complexa com pouco tempo, especialmente se ainda houver as Damas no tabuleiro.
Suponha que temos uma escolha — podemos ir para o final com uma pequena vantagem, ou manter uma posição igual, incrivelmente difícil, com Damas. Do ponto de vista da avaliação objetiva, o primeiro caminho é mais forte. Mas se você tiver muito mais tempo ou achar que joga melhor com Damas, a decisão ótima em termos de equidade é manter as Damas e jogar uma posição objetivamente igual que você provavelmente ganhará em poucos lances.
— Já ouvi a opinião de que o poker ajuda a jogar xadrez melhor: fica mais fácil encontrar padrões e falhas, não se apegar aos resultados de curto prazo, avaliar corretamente as expectativas. O contrário também acontece?
— O poker ajuda no xadrez na mesma medida em que ajuda na vida em geral. As coisas que você listou são úteis em qualquer disciplina. Recentemente, assinei contrato com o time de eSports Team Spirit. Os caras me contaram um pouco sobre como tudo funciona para eles. O Counter-Strike é muito parecido com o poker! Também é um jogo estratégico onde um exploit no momento certo é importante.
Já o xadrez, por outro lado, ajuda pouco no poker. A menos que você já seja um grande profissional e tenha passado muitos anos no tabuleiro, aí você entende como deve ser o processo de aprendizado e será mais fácil entender os softwares de poker desde o início e estruturar corretamente a análise das situações.
A análise de um jogo ou abertura comparada à análise de uma mão ou linha específica não difere muito no sentido global. Nesse aspecto, o xadrez pode ajudar, mas não mais do que qualquer outro trabalho científico.
Não costumo superestimar o xadrez como ferramenta de aprendizado. O jogo é interessante, mas não vai ajudar no poker mais do que o Counter-Strike. Os melhores times também trabalham estratégias, comparam diferentes modelos de jogo.
O GipsyTeam publicou recentemente um bom artigo teórico que explica por que, em certas situações, o solver prefere K6 a K7. Muitos anos de trabalho com o xadrez também podem ajudar a entender por que funciona assim, entender a lógica do jogo.
Vamos pegar duas posições que diferem na disposição dos peões externos. Um solver de xadrez pode dizer que uma posição é boa para as pretas e a outra é ruim, embora à primeira vista não esteja claro qual é a diferença. Você precisa sentar e descobrir. A diferença pode aparecer cinco lances depois, em uma das variações em que a disposição dos peões realmente importa. Encontrar respostas para essas questões complexas é exatamente o que os solvers de xadrez ensinam.
— No podcast “Book Man”, você disse que lê nosso site regularmente, que bom que manteve o hábito.
— A página inicial, eu vejo todos os dias! O fórum, menos frequentemente.
— O que mais te marcou?
— Muita coisa do fórum ficou na memória. O mais marcante foi o diário do Forhayley. Meus amigos e eu lemos cinco vezes. Forhayley, se você estiver lendo isso — valeu a pena, escreva mais! A gente literalmente decorava as citações: o lendário treino de exploit e muitas outras coisas entraram no vocabulário.
Na página inicial havia muito material bom, é difícil destacar algo específico. Quase todas as entrevistas ou traduções são ótimas.
— Você viu a matéria sobre o escândalo na mesa final do EPT? No xadrez também existem jogadas que trazem EV, mas que a comunidade reprova?
— Sim, existem muitas. Especialmente no blitz. Existem diferentes graus de "sujeira", não gostaria de descrever em detalhes. Você pode simplesmente ganhar no tempo ou colocar uma peça em uma casa e, no último momento, mover para outra.
Assim como no poker, a linha é bem tênue. Normalmente é bem difícil provar que a pessoa fez algo de propósito. As pessoas nem sempre fazem coisas ruins de forma intencional.
Nesse sentido, para mim é historicamente difícil. Tento jogar com cuidado e de forma limpa, não sei se é por treinamento na infância ou porque meus nervos ainda aguentam.
Quando o oponente faz algo assim, costumo acreditar que não foi de propósito. Parece um pouco tolo. Por exemplo, uma pessoa faz um lance com um segundo no relógio e derruba todas as peças. Eu sempre junto as peças primeiro e só depois aperto o relógio. Se eu não reclamar, em média, ele fará o lance mais rápido. No geral, há uma linha tênue entre o jogo normal e algo que você pode chamar o árbitro.
Também existe o conceito de softplay. No poker, as pessoas compram ações umas das outras, e isso é normal. Mas como amador, ainda acho difícil entender onde está o limite quando isso fica realmente sujo.
No xadrez também acontece de, em torneios com bons prêmios, as pessoas trocarem ações. Em alguns casos, isso pode influenciar as decisões. Honestamente, já estive em situações assim, é uma área cinzenta, nem todo mundo entende o que é claramente antiético, o que é feio e o que é normal. Discutimos isso mais de uma vez entre amigos profissionais, mas não há consenso sobre o tema.
O poker é mais o Velho Oeste nesse sentido. Por exemplo, Tom Dwan senta no Million Dollar Game quando o mundo todo está dizendo que ele tem menos que zero de dinheiro. Eu também não entendo bem por quem ele está jogando, qual é o percentual dele, quão motivado ele está.
Minha percepção do poker ao vivo é perfeitamente descrita pela lendária mão entre Tony G e Hellmuth – "Claro que menti, é poker, Phil!". Talvez Tony esteja certo, mas para mim parece feio, esses episódios reduzem muito o prazer no poker. Com todas as suas falhas, Phil muitas vezes está certo nesses conflitos. Embora vê-lo ficar bravo seja incrivelmente engraçado!
O xadrez tem uma reputação mais "cavalheiresca". A trapaça no poker parece ter feito parte do jogo desde o início. Não entendo como as pessoas se sentam para jogar sem medo de teamplay ou outras trapaças — lembre o caso do Imsirovich [Ali Imsirovich e Jake Schindler foram acusados de multi-accounting e uso de "RTA"] ou a grande mão quando Robbi pagou com valete-high.
Felizmente, no xadrez é difícil cair em situações assim. Nesse aspecto, gosto menos do poker. No fim das contas, muitas vezes é um jogo de honra, e eu não tenho grandes ilusões sobre a natureza humana.
Uma coisa é quando as pessoas se conhecem há anos, ou é um Phil Ivey da vida, que provavelmente não participaria de algo assim. Mas se tiver ao menos uma pessoa de reputação duvidosa na mesa, eu já teria medo de jogar por dinheiro alto.
— Recentemente houve escândalos em que jogadores disputaram torneios com o GTO Wizard aberto. Existe algo similar no xadrez?
— Teoricamente, o Chess.com bane quem abre o ChessBase durante uma partida. No entanto, tenho certeza de que na prática isso nem sempre funciona. Quanto aos jogadores, esses casos são raros, especialmente em streams. O Kramnik acusou o Naroditsky de algo assim, mas não causou grande indignação. E também não posso dizer com certeza que ele está certo.
Basicamente, streamamos partidas online normais sem prêmios, então há menos preocupação. Frequentemente sinto que estou jogando contra um oponente suspeito, mas, no fundo, num jogo sem dinheiro — tanto faz. Vim para me divertir mesmo, abri o app no celular com um Negroni. Se você quiser me vencer usando computador e roubar algum rating virtual — parabéns, espero que tenha valido a pena!
— Vamos falar de dinheiro. Como um jogador de xadrez pode calcular corretamente quanto pode ganhar por ano? Do que é composta a renda dos 20 melhores jogadores do mundo?
— É tudo muito individual. Alguns têm patrocinadores, outros jogam muitos torneios com cachês fixos — geralmente por equipes, outros dão aulas ou gravam cursos de treinamento ao mesmo tempo.
Há um fenômeno curioso no xadrez atualmente — a maior parte da renda dos jogadores nem sempre depende dos resultados em torneios. Existem várias histórias midiáticas, este ano praticamente todo mundo que sabe mover as peças foi contratado por equipes de eSports — e suspeito que em condições muito diferentes.
— Em várias entrevistas você disse que sua expectativa anual é de cerca de 100-200 mil dólares. Como está hoje?
— A expectativa continua estranhamente a mesma, embora as fontes de renda tenham mudado mais de uma vez. Este ano há mais atividades na mídia, mas também houve anos em que ganhei dinheiro apenas jogando.
Mesmo durante a Covid, jogando online, curiosamente, trouxe aproximadamente a mesma quantia. Antes da pandemia, praticamente não havia dinheiro no online. Para ganhar algo no começo, você precisava jogar muito bem. E naquele ano eu estava jogando em altíssimo nível, cheguei à grande final da Magnus Tour. Mas os números continuam os mesmos.
— As casas de apostas oferecem apostas em xadrez. Existe um EV maior para um profissional do seu nível? O conhecimento de xadrez e a noção de quem está em boa fase ajudam a ganhar dinheiro?
— Conhecer xadrez pode certamente ajudar, mas é extremamente raro alguém apostar dinheiro sério em xadrez. Talvez apenas em um match pelo título mundial ou no Torneio de Candidatos. E, nesses casos, mesmo os profissionais costumam ter avaliações diferentes. Ou então há um claro favorito vindo da Noruega e é difícil superar a margem da casa.
— Um colega meu apostou 40 para 1 que o Ding perderia a última partida do match do mundial em empate — e foi o que aconteceu. Você já fez apostas malucas assim?
— Acho que nem posso apostar em xadrez por lei. E também não quero. Apostar 100 dólares em uma odd dessas e ganhar é quase ofensivo!
— Quais são seus objetivos no xadrez para este ano?
— Este ano é ano classificatório, tudo gira em torno da Copa do Mundo e do Grand Swiss. Os resultados nesses dois torneios, além dos Campeonatos Mundiais de Rápidas e Blitz, como de costume, vão definir a avaliação geral do ano. Vamos ver!
