O papel da intuição no poker

por Mikhail Makrushin

Andrew Lichtenberger é um dos high rollers americanos mais incomuns. Aos 38 anos, acumulou $23,4 milhões em premiações em torneios ao vivo e ocupa a 49ª posição no All Time Money List. Recentemente, publicamos sua longa conversa com Jared Alderman sobre intuição e seu desenvolvimento.

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Lichtenberger decidiu abordar em uma coluna para o site PokerOrg, onde reflete regularmente sobre estratégia e os aspectos psicológicos do jogo.

Solvers são apenas metade do caminho

Neste ensaio, exploro a força da intuição e analiso aqueles aspectos intangíveis do poker que complementam os solvers e outros estudos fora das mesas. O que discutiremos hoje não substitui a teoria, mas sim a estende.

Primeiro, vamos admitir o óbvio: a comunidade moderna de poker, com razão, está muito focada no lado técnico — solvers e teoria. Essa é a base sem a qual não há progresso. No entanto, o excesso de dependência dos solvers na tentativa de compreender todas as sutilezas do jogo pode ser tão prejudicial quanto ignorá-los por completo.

Na minha visão, o estudo profundo da teoria é apenas parte do caminho para formar uma estratégia vencedora. A maioria dos jogadores, para aplicar o conhecimento na prática, também precisa de habilidades comportamentais — habilidades mentais e psicológicas. Entre elas estão a lógica, o pensamento racional e a abordagem analítica para resolver problemas. Esses elementos são cruciais para o sucesso. Mas também são a ponte para ferramentas que não podem ser medidas ou calculadas diretamente: intuição, energia e execução.

Meu primeiro contato com a intuição

Antes, eu não percebia o papel da intuição no poker, até que algo inusitado aconteceu. Estava jogando online e me lembro vividamente do momento em que senti um forte impulso intuitivo — e o segui.

Eu tinha no flop , e de repente fui tomado por uma sensação de alerta. Não lembro exatamente a ação, mas sei que coloquei menos fichas no pote do que faria normalmente. No fim, o adversário mostrou uma trinca. Então pensei: “Interessante. O que foi isso?”

Esse episódio me fez notar que, no poker assim como na vida, existe algo além do pensamento puramente racional. Como disse Einstein: “A mente intuitiva é um dom sagrado, e a racional é um servo fiel. Criamos uma sociedade que honra o servo, mas que esqueceu o dom.”

No poker, o contraste entre racional e intuitivo não é tão extremo quanto na ciência. A aceitação da intuição é mais natural, já que ela frequentemente tem um papel importante no jogo. Acho que a maioria que jogou um volume significativo concorda com isso.

Não mudei radicalmente meu estilo após aquele episódio, mas passei a prestar mais atenção aos sinais intuitivos e a aprender a distingui-los do medo. Hoje posso dizer: confiar nos sentimentos é um dos fatores importantes para o sucesso.

O que é intuição?

Aplicar a intuição corretamente é difícil — é fácil confundir distorções de percepção com sinais, quando são apenas manifestações de medo. Ambos surgem sem raciocínio lógico; são reações instintivas.

A intuição não pode ser traduzida em fórmulas ou números. Eu a vejo como um súbito estalo — o “aha!”, a “lâmpada que acende”. Nesse momento, a atenção se foca em aspectos cruciais da mão ou em algum detalhe (às vezes óbvio, mas despercebido) do qual depende a decisão.

Ela se assemelha muito à memória muscular: um reconhecimento subconsciente de padrões — situações recorrentes com estrutura e dinâmica semelhantes, mesmo que os detalhes variem. Em níveis altos, a intuição se torna mais forte, pois se apoia em uma base lógica e racional sólida.

Acredito que a intuição se encaixa na configuração “energética” única de cada momento. Ela é especialmente eficaz quando o jogo se afasta do GTO e as decisões ficam mais criativas e originais.

Por isso os solvers funcionam melhor no pré-flop, onde as situações modeladas se repetem com frequência. Já no turn e no river, eles fornecem mais ideias e conceitos do que respostas prontas.

Explico isso pelo fato de que, no river, você já joga contra uma pessoa específica, não contra um range. O adversário está blefando ou apostando por valor — ele tem intenções concretas, e escondê-las não é tão simples.

Confie no instinto — você não perde nada

No poker, há uma eterna discussão: GTO ou exploit? O que é mais eficaz — seguir estritamente a teoria ou se adaptar ao adversário? Como em muitos casos, o melhor caminho é a combinação.

Para alguns, a parte técnica pode parecer insossa, mas sempre há espaço para criatividade — se você estiver disposto a enxergar. Teoria e intuição se complementam: a base técnica fortalece a criatividade, e a intuição é mais eficaz quanto mais você confia nela.

Como já disse, quem joga bastante já vivenciou a intuição em ação. Recentemente ouvi um podcast sobre xadrez em que Ike Haxton — um defensor ferrenho da teoria — chamou isso de “pressentimento”. É exatamente isso: quando você joga bastante contra pessoas reais e nota inúmeros detalhes, começa a sentir o que eles significam em situações concretas.

O mais difícil no desenvolvimento da intuição é aceitar aquilo que não é palpável nem mensurável. Você pode simplesmente ignorar e não perde nada, mas se disser a si mesmo “Interessante, vamos ver onde isso leva” e der uma chance, a intuição começará a trabalhar a seu favor.

Olhando para trás, sinto que essa decisão foi uma das mais importantes no início da minha carreira. E tanto naquela época quanto hoje, considero a exploração da psique humana um processo fascinante.

Reconhecer sua intuição inata é o primeiro passo para torná-la parte natural da tomada de decisões. Vejo isso como uma tecnologia embutida em nós — saber se entregar ao processo e observar para onde o instinto nos leva. Para mim, isso se tornou uma revelação — no poker e na vida.

Fedor Holz: “Acho que intuição é +EV”

Einstein não foi o único cientista a valorizar a intuição. E Lichtenberger não é o único jogador de sucesso a considerar esse fator invisível importante. Em 2018, o tema surgiu em uma entrevista de Fedor Holz a Howard Swains.

— Você era um cara de GTO?

— Sim e não. Eu nem usava esse termo antes, apenas tentava vencer os adversários. Mas no meu time havia defensores do GTO, principalmente Stefan (Sontheimer). Ele sempre falava sobre “decisões corretas, inteligentes, matematicamente justificadas”.

Tudo isso fazia parte da nossa preparação estratégica, além da minha habilidade de sentir exatamente o que os oponentes estavam planejando. Se você tenta se adaptar mas sua estratégia é ruim, só piora. Mas se a estratégia é boa, as adaptações trazem enorme vantagem. Essa é a combinação de ouro.

— A intuição ainda tem importância?

— Para mim, intuição é o uso subconsciente de todo o conhecimento e padrões acumulados, sem reflexão ativa. Ontem mesmo joguei uma mão em que senti algo e pensei: “Isso significa fraqueza”. Eu não raciocinei: “Ele se mexeu, isso quer dizer…”. O processo é o mesmo, mas acontece de forma inconsciente.

— Mas isso não gera erros?

— Claro. Mas ainda acredito que essa abordagem seja +EV. Se tenho um palpite, prefiro tentar adivinhar se o cara está blefando ou não, do que ignorar a chance. Acho que acerto mais do que erro, então levo esse elemento para minha estratégia.

Phil Hellmuth: “Confiar no instinto é um processo científico”

Hellmuth talvez seja o maior embaixador das decisões intuitivas no poker. Ele chama seu estilo de jogar “humano”, e não solver-based, de “magia branca”. No podcast de Jordan Harbinger, explicou como funciona esse método.

Hellmuth: Às vezes digo para jovens muito fortes em matemática que consigo ler suas mãos com confiança. Para eles, parece que estou falando outra língua, como se fosse “magia negra”. Para evitar essa conotação negativa, chamei meu método de magia branca. E essa expressão ganhou o mundo.

Até que ponto a leitura do adversário é consciente?

— Boa pergunta. Ultimamente não tenho jogado tanto no No-Limit Hold’em para trabalhar constantemente os reads. Mas algumas vezes nos últimos meses aumentei a aposta porque senti que havia algo estranho. E errei. Isso acontece. É preciso treinar a percepção dos sinais que você recebe. As pessoas se comportam de uma forma com mãos fortes e de outra com mãos fracas. É preciso entender a diferença.

Até lançamos um livro sobre isso — Read’Em and Reap. É útil para quem não tem experiência com reads. Mas eu, pessoalmente, confio nas minhas observações. Posso passar uma hora observando alguém: como joga mãos fortes, como joga mãos fracas, notar diferenças, seguir seus olhos.

Também gosto de jogar rápido: fold, fold, fold. Mas quando paro e começo a pensar, o adversário fica tenso. Ele pensa: “Meu Deus, Phil Hellmuth está me encarando”. Depois de uma sequência de folds rápidos, isso muda totalmente o clima na mesa. O oponente fica nervoso, e fica mais fácil de ler. As pessoas se entregam sozinhas.

Posso citar sinais específicos? Mais fácil ler o Read’Em and Reap, esse livro ajudou muita gente. Para mim, tudo é uma imagem completa. Como ele colocou as fichas? Jogou de qualquer jeito no pote? Talvez sete vezes tenha feito raise suave e, de repente, empurra as fichas bruscamente — o que isso significa?

Interpreto dezenas de sinais assim, mas no fim confio na intuição: “Ele está fraco, melhor re-raisar” ou “Isso mostra força, é melhor sair da mão”. Para mim, confiar no instinto é, de certa forma, um processo científico, porque não quero cair em falsos sinais. Pode parecer estranho, mas é assim que funciona.

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