Trabalhando nos erros: quando até os solvers têm dificuldade em responder

O jogador Kyka decidiu se tornar jogador profissional de poker aos 40 anos e começou um blog no nosso fórum russo. Ele analisou uma mão de NL20, na qual o oponente deu um check-raise no flop, apostou no turn e deu check no river, que dobrou. O herói decidiu ir all-in, esperando fazer uma sequência desistir da mão. Mas vale a pena blefar nessa situação? Para descobrir como o oponente deveria ter jogado, perguntamos a um coach, Anton Nko1.

Estatísticas do oponente

Não há muitas mãos, algumas milhares, mas já dá para tirar conclusões. Parece ser um regular negativo.

25/20/9,5 (VPIP/PFR/3bet)

26/50/44 (WTSD/WonSD/WWSF)

3bet BBvsBU 11% (solver 14%)

Call BBvsBU 26% (solver 25%)

Pré-flop

Abertura padrão de 42%, call padrão no BB.

Flop

Os diagramas abaixo mostram como o solver quer dar c-bet no flop estando no botão, num board com três cartas altas:

A alta frequência de c-bet, assim como o uso de tamanhos grandes na maioria desses boards, se deve ao fato de que o BTN tem grande vantagem – tanto em equidade e realização dela, quanto na parte mais forte do range. Temos todos os sets, além de vantagem nos nut straights. Porém, nossa textura é uma exceção, porque a quantidade de no range do BB é ligeiramente maior em termos percentuais que no nosso. Isso acontece porque o raramente dá 3-bet pré-flop, mesmo com um solver, e na prática a maioria dos regs sempre protege com call. Ao mesmo tempo, sequências são uma parte decente de ambos os ranges, cerca de 7%.

Eu gosto de apostar pouco nesse board com frequência média. Com a nossa mão em particular, sempre apostarei, especialmente com um backdoor. Claro, é uma value bet.

O oponente faz um raise pequeno. Vamos ver primeiro com quais mãos o solver quer fazer isso:

As principais mãos para raise por valor são sequências e algumas combinações de dois pares; os semi-blefes são gutshots com backdoors. Gutshots podem melhorar e bloquear possíveis sequências do BTN. Não tenho certeza de como o regular local constrói o range aqui. Acho que haverá bem menos semi-blefes, mas suponho que dois pares jogarão assim com mais frequência (para explorar o check-raise insuficiente do BB, é possível dar rangebet no flop).

Para nós, a solução é simples – nosso range inteiro ou dá fold ou paga. Não vejo raise aqui.

O solver concorda:

De forma geral, eu jogaria mais ou menos assim, embora foldaria mãos como , , ; e , e suited sem backdoors. Com a nossa mão, é um call fácil.

Turn

No turn, recebemos um flush draw. Fora isso, a carta é blank.

Recebemos uma aposta de 3/4 do pote.

Se eu fosse o oponente, tenderia para uma overbet. Queremos extrair mais valor com as nuts, especialmente porque o board ainda pode piorar. E conseguimos um SPR mais confortável, para facilitar as decisões no river. Considerando que o oponente real terá menos blefes e mais dois pares no range, não vejo outro tamanho além de overbet. O solver, inclusive, também não.

Aqui está a estratégia do solver no turn com o range de raise do flop travado e um único tamanho de 75%:

Acho que na prática a frequência de aposta será bem maior. O mesmo e certamente não darão check 100% das vezes, e sequências apostarão quase sempre.

O solver no BTN se defende assim:

Basicamente, pagamos com sequências, sets e flush draws. Curiosamente, alguns são foldados.

Acima, escrevi que na prática um jogador apostará de forma bem mais ampla. Por exemplo, assim:

E novamente, a decisão para a nossa mão é simples: pagamos e vamos para o river.

River

Sai uma carta que muda radicalmente a estrutura do board, e as sequências viram bluff catchers.

De modo geral, essa mão me interessou ainda mais do ponto de vista de como jogar no lugar do oponente. Porque no river ele está praticamente encurralado e não está claro como se defender corretamente. Sim, ele ainda tem full houses no range, mas são pouquíssimos, apesar de termos mantido o range para que houvesse mais deles. Um solver, seguindo essa linha, teria quase nada ali.

80% do range do BB são sequências, mas no river elas viram bluff catchers ruins, já que não bloqueiam nossos nuts – que temos muitos. Além disso, vale considerar que o field blefa pouco, ou seja, não há muitos blefes do BTN. Novamente, espero que todos os fulls e talvez algumas sequências continuem apostando no river. Isso significa que há ainda menos mãos fortes no check.

O solver é mestre em encontrar equilíbrio com diferentes entradas, mas até ele tem dificuldade aqui. Veja como ele joga no river de BB:

Ele dá check em 97% das mãos, tentando manter pelo menos algum equilíbrio!

E aqui está o que o solver faz no lugar do BTN. O tamanho é all-in, claro. Não pode haver outro aqui:

Durante a mão, percebi logicamente que o oponente não conseguiria se defender adequadamente nessa situação, então podemos ir all-in com praticamente qualquer coisa. Minha mão também é boa porque bloqueia a principal categoria de mãos do oponente: as nut straights. O oponente pensou muito antes de dar fold; não me surpreenderia se ele foldou . O solver joga parte do com call quase zero de EV, e folda parte das mãos que contêm um copas. O copas é ruim porque bloqueia meu range de blefe.

Na prática, eu, como 99% dos regs, não teria blefes suficientes aqui e pagar no BB com seria definitivamente ruim. Ao mesmo tempo, definimos um range para o BB que praticamente não tem blefes, o que significa que, na prática, ir all-in no river com AQs é ainda melhor.

Estou satisfeito com minha jogada. Nesta mão, tive algumas dúvidas sobre a forma como o oponente jogou. Como jogar seu range para não cair numa situação desconfortável e não ter que adivinhar? Até agora, tenho absoluta certeza de que o oponente deveria ter jogado diferente. E uma observação interessante no flop: dado que o field certamente aumenta menos do que o solver aconselha, é possível jogar com um rangebet.

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O que o Coach pensa sobre esta mão?
– Anton Nko1 // https://t.me/nko1poker

Minha principal recomendação é depender menos das sugestões de solver quando se joga em limites baixos e prestar mais atenção nos showdowns e nas mãos que os oponentes mostram em diferentes linhas.

Quanto mais baixo o limite, maiores as desvios dos adversários em relação ao GTO. Eu usaria assim: “Ah, eu vi essa situação na simulação e o solver dá fold com tais mãos, mas meus oponentes não dão fold, ou dão muito pouco, então vou apostar BEM largo por valor.” Ou o contrário, eles foldam demais. O importante é identificar um viés em uma direção ou outra, muitas vezes “ajudando” com o tamanho da aposta. Desistimos, sabendo que nessa situação nossos adversários têm um underbluff enorme, etc. Para isso, não basta trabalhar com o solver: é preciso também saber observar e analisar, além de pesquisar sobre o limite que está sendo jogado. Essencialmente, isso é um exploit.

Flop

Definitivamente é a nossa textura. Podemos apostar pesado, até 100% de c-bet no tamanho de 1/3 do pote. Existe outra estratégia, com uso mais ativo de check-back e tamanhos diferentes no flop. Nossa mão é uma boa candidata para dar check.

Mas as pessoas são muito ruins em dar check-raise; geralmente têm medo de inflar o pote fora de posição com um range amplo (e limitado) pré-flop, especialmente em texturas como essa. Por isso, eu apostaria 1/3 seguindo a linha do herói.

Ao receber um raise nesse tipo de board, eu certamente ficaria alerta, já que tende muito para valor. Jogaria de forma honesta, sem tentar inventar 3-bets como blefe. Com a nossa mão, é um call padrão.

Turn

Aqui não tem opção. Pegamos um backdoor e o tamanho da aposta do oponente é confortável. É o call mais fácil em posição.

Se tivesse vindo uma carta de outro naipe (que não nos desse o draw), eu desistiria tranquilamente.

River

Aqui há um detalhe muito interessante. As pessoas, de modo geral, usam mal o check. Cometem muitos erros, especialmente em linhas como essa. É muito mais fácil para o oponente colocar uma aposta com full house do que criar uma linha complexa passando por check-raise, bet ou check-push. Existe medo nesse check.

De uma sequência, eu esperaria uma block bet ou um bet-fold. Acho que essa é a linha mais comum.

Apesar de eu ter definido o range do oponente desde o flop como “bem tight”, mãos como e sequência com terão dificuldade, já que nós temos todos os full houses e nut straights no river. Transformar nossa mão em blefe é um bom plano. Eu, na maioria das vezes, iria all-in com mãos contendo a . Outro ótimo merge-push seria com da nossa parte. O tamanho usado pelo herói está 👍.

Se olharmos a mão como um todo, eu jogaria exatamente como o herói.

– Como o oponente poderia jogar o range dele sem cair em uma situação desconfortável e ter que adivinhar no river?

Se eu fosse o BB, teria escolhido um tamanho maior no turn. No river, definitivamente não usaria um all-in: eu faria uma block bet/call com todos os full houses e alguns .

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