Em julho, Kenny Hallaert chegou pela segunda vez na vida à mesa final do Main Event da WSOP; pelo 4º lugar, ele recebeu $3 milhões. Em 2016, ele caiu em 6º e ganhou $1.5 milhão. Em qualquer outro ano, o feito de Kenny teria sido o principal evento de toda a série.

A lenda Michal Mizrachi tem mais de 70% das fichas e é o favorito absoluto para conquistar o bracelete.

Leia

Mas desta vez, pela primeira vez desde 1995, uma mulher chegou à mesa final — Leo Margets terminou em 7º. E a maior parte da atenção estava voltada para Michael Mizrachi, que ganhou um bracelete não apenas no Main Event, mas também no Poker Players Championship.

Americano domina mesa final do Evento Principal da World Series of Poker 2025, conquista o prêmio de $10 milhões, e recebe indução inédita ao Hall da Fama do Poker logo após o título.

Leia

No lugar de Kenny, alguns jogadores poderiam ter sentido ciúmes por, no momento mais importante de suas carreiras, toda a atenção ter ido para outra pessoa. Mas isso não combina em nada com o caráter de Hallaert.

Kenny sempre foi marcado pela humildade e generosidade. Apesar dos seus resultados expressivos, ele trabalha há vários anos como diretor de torneios e, a cada ano, monta o calendário de verão em Las Vegas, usado por centenas de jogadores. Um ano atrás, Kenny aceitou se tornar embaixador do PokerStars, onde assumiu o papel de intermediário entre organizadores e recreativos, garantindo comunicação direta e troca de informações.

– O que você fez depois da World Series?

– Depois de cair no Main Event até o EPT Barcelona, eu não joguei uma única mão. Tinha reservado a passagem de volta para o último dia da série, mas depois de tudo o que aconteceu, precisei ficar mais tempo em Vegas. Depois passei uma semana em casa, na Inglaterra, e fiz uma pequena viagem de férias com minha namorada.

Depois da WSOP, eu sempre faço uma pausa. Em anos “comuns”, talvez jogasse alguns torneios online, mas desta vez nem isso eu tive vontade.

– Uma deep run tão longa certamente drena toda a energia, certo?

– Acho que qualquer jogador que alcance a fase final do Main Event responderia da mesma forma: todos dormimos muito pouco. Eu não fui exceção. Adormecer nunca foi problema, isso era fácil; o problema é que eu acordava muito cedo todos os dias. Isso desgasta bastante. Eu dormia 5 a 6 horas por dia, e isso é insuficiente em momentos tão intensos. Mas, por causa do enorme pico de adrenalina, quase não sentimos o cansaço.

Seria interessante ver estudos médicos sobre isso. Que alguém medisse os níveis de cortisol e adrenalina durante e depois do Main Event. Gostaria de saber por quanto tempo eles permanecem no organismo. Eu, com certeza, precisei de mais de uma semana para voltar a dormir normalmente.

Resultados de Hallaert no Main Event

AnoEntradasPosiçãoPremiação
20259.735$3.000.000
20166.747$1.464.258
20177.22164º$101.444
20156.420123º$46.890
20126.598323º$32.871
20228.663862º$19.000

– Você já teve várias deep runs muito profundas no Main Event. Você já tentou analisar isso de alguma forma?

– Em 2016, eu não consegui me forçar a assistir à gravação da mesa final por vários meses. Mas desta vez eu já assisti às mãos mais interessantes. Por eu já ter tido essa experiência antes, agora tudo é percebido de outra forma.

Acho que assistir às mesas finais não traz nenhum benefício prático. Não há como se preparar antecipadamente para jogar nessa fase. É muito mais produtivo analisar o seu jogo online ou discutir estratégia com amigos. Chegar à mesa final é um evento único e extremamente improvável. A probabilidade de estar ali é próxima de zero. Embora eu tenha conseguido isso duas vezes.

Cada vez mais eu me convenço de que tudo depende dos oponentes específicos; é impossível se ajustar para o field como um todo. Nas fases finais isso é especialmente importante: você se senta à mesa e tenta entender como seus adversários jogam. Mas, de qualquer forma, sempre haverá mãos que você vai querer revisar no software mais tarde para ver se poderia ter feito algo diferente.

– Você jogou algumas mãos importantes contra Mizrachi.

– Sim, as duas que causaram a reação mais controversa foram: em uma eu foldo no pré-flop, e na outra pago todas as streets com .

Durante oito dias eu confiei nas minhas leituras, e no nono dia fiz exatamente o mesmo. Naquele momento específico eu errei, mas no longo prazo acho que joguei corretamente. É muito difícil avaliar mãos no vácuo. E o Main Event é uma história completamente separada — cada spot é único demais comparado à estratégia de outros torneios.

Mas é por isso que amamos o Main Event. Joguei o meu primeiro em 2008, desde então jogo todos os anos e não pretendo parar.

– Mizrachi não apenas jogava em um estilo extremamente agressivo, como também estava dando muita sorte. É possível fazer algum ajuste quando há um jogador assim na mesa?

– Eu tinha um plano de jogo preparado para todos os finalistas. Naturalmente, também para Michael. Eu sabia como iria jogar contra ele dependendo da relação entre nossos stacks. Havia algumas ideias sobre como ele mudaria o jogo de acordo com a situação da mesa.

Realmente, ele estava acertando muitas mãos, e todo mundo pagava. Em algum momento, até pareceu que ele começou a exagerar, como se estivesse com pressa de ganhar. Michael é, sem dúvida, um grande jogador. Não dá para vencer 8 braceletes e 4 Poker Players Championship por acaso. Eu respeito muito o jogo dele, mesmo que nem sempre seja “aprovado pelo solver”. Mas tente agora convencer alguém de que o estilo dele não funciona.

É isso que torna o poker ao vivo tão especial. É possível vencer de muitas maneiras diferentes.

Eu certamente não me considero um dos melhores jogadores do mundo, mas tenho certeza de que, no Main Event da WSOP, minha expectativa é maior do que a de muitos top-regs. Eu também não jogo “pelo solver” o tempo todo. Admiro jogadores como Michael ou Davidi Kitai, que têm estilos únicos.

– O prêmio de $3 milhões vai influenciar sua carreira de alguma forma?

– Praticamente nada. Foi o meu maior resultado financeiro, mas os prêmios que recebi em 2016 tiveram um impacto muito maior na minha vida. Na época, ganhei menos, mas o valor era mais significativo em relação ao meu bankroll.

Meus planos mais próximos são ir bem na leaderboard de poker ao vivo do PokerStars. Pretendo disputar os prêmios da “liga média”, que conta todos os torneios do EPT e do European PS Open com buy-ins de €1.000 a €4.999. Eu quase não jogo mais caro do que isso, exceto os Main Events.

Buy-ins altos não me atraem muito — eu simplesmente gosto de jogar. Já participei de muitos torneios de €10.000 na carreira e me sinto confortável neles. Não sou do tipo que gosta de desafiar a si mesmo apenas por desafiar, mas essa leaderboard realmente desperta meu lado competitivo.

Depois vou jogar o NAPT em Las Vegas e talvez passar na Triton na Coreia. Como já disse, no próximo verão certamente jogarei o Main Event da WSOP. Afinal, existe a chance de me tornar o primeiro jogador da era moderna a fazer três mesas finais. Pelo menos vale tentar.

Planejar a longo prazo é difícil, mas tenho certeza de que nunca vou abandonar o poker. Sempre jogarei alguns torneios. Antes eu sempre dizia: “ano que vem com certeza jogo; depois, veremos”.

Ainda tenho um objetivo inacabado — vencer um grande torneio ao vivo. Aí sim poderei dizer que meu quebra-cabeça do poker está completo. Minha carreira já é muito bem-sucedida, mas isso seria a cereja do bolo.

– Você não apenas joga, mas também trabalha há muitos anos como diretor de torneios, e recentemente passou a colaborar com o PokerStars.

– Assinei contrato com o PokerStars em abril do ano passado. Minha função é de consultor para séries ao vivo; ajudo com o processo de preparação e depois recolho feedback dos jogadores. Junto com o diretor de torneios Toby Stone, desenvolvemos estruturas, cronogramas, discutimos regras e pensamos no que pode ser melhorado.

4.6
Consolidado como o mais famoso site de poker do mundo, o Pokerstars reúne jogadores do Brasil e de outras nacionalidades para disputar jogos a dinheiro real de Texas Hold’em, Omaha, Stud, H.O.R.S.E., entre as mais variadas modalidades de poker possível.

Eu gosto muito desse trabalho. Estou envolvido em atividades paralelas ao poker desde 2008, quando ajudava alguns cassinos da Bélgica com o marketing de suas salas de poker. Com o tempo, me tornei diretor de torneios e até trabalhei como floor no EPT.

Depois da pandemia, deixei essa atividade — trabalhei em apenas alguns poucos eventos — mas não consegui recusar o PokerStars. Como alguém que tem experiência tanto como jogador quanto como organizador, esse trabalho combina perfeitamente comigo.

Eu ainda amo profundamente o nosso jogo. E, seja na mesa ou fora dela, sempre tento estar ao lado dos jogadores e defendê-los, especialmente os recreativos.

– Com a sua experiência, quais você vê como os maiores problemas para o futuro do poker?

– A demora excessiva para agir. Estamos fazendo muitos esforços para combater esse fenômeno, mas, até agora, a eficácia das medidas tomadas é baixa.

Outro problema geral é o longo período de registro tardio. Já está matematicamente comprovado que isso dá edge demais aos jogadores que exploram ativamente essa possibilidade. E não dá para dizer que isso seja trapaça, eles simplesmente usam uma brecha que os próprios organizadores lhes ofereceram.

Há jogadores que tentam extrair o máximo de EV em qualquer situação: não postam blinds, gastam o tempo inteiro para alcançar payjumps. Nada disso faz bem para o jogo. Mesmo que alguém tenha um lucro rápido com esse comportamento, no longo prazo a indústria sofre.

Além disso, recentemente aconteceram escândalos com jogadores que utilizam tecnologias avançadas para trapacear: câmeras, smartwatches e assim por diante. Estamos tentando combater isso, tomando medidas. Estou falando especificamente do PokerStars; não quero discutir outras séries.

34 pessoas foram detidas pelo FBI por apostas ilegais em esportes e organização de jogos clandestinos de poker. Matt Berkey já havia falado sobre esse tipo de jogo sujo há dois anos.

Leia

– Você está satisfeito com a direção em que o poker está indo?

– Comecei a trabalhar como diretor de torneios há 20 anos, organizando torneios de €60. Acho que a maioria dos participantes desses torneios já entendia, naquela época, que nunca se tornariam profissionais. Entretanto, eles continuam jogando, simplesmente porque isso lhes dá prazer. Na minha opinião, esses jogadores são a base da ecossistema do poker — pode-se até dizer, o alicerce da cadeia alimentar.

Sem os recreativos, que jogam séries locais baratas, o poker nunca teria alcançado tal popularidade. Se queremos que o poker ao vivo continue crescendo, precisamos proteger esses jogadores a qualquer custo. Eles são o novo sangue do poker.

No fim das contas, todos que trabalham na indústria têm um único objetivo, e seria ótimo se conseguíssemos nos unir para tornar o jogo ainda melhor. Entendo perfeitamente as razões da forte concorrência entre operadores, mas me irrita a maneira como essa disputa acontece.

Como muitos outros, estou apenas observando tudo de fora, mastigando pipoca. Mas estou convencido de que os enormes orçamentos gastos para inflamar conflitos poderiam ser muito melhor utilizados se fossem direcionados à criação de algo positivo. Embora… quem sou eu para dar conselhos?