— Em um mundo ideal, a entrevista seria feita por pessoas imparciais, cuja vida você não tenha influenciado de nenhuma forma. Mas não podíamos perder essa oportunidade, porque você mudou não só nossas vidas, mas todo o mundo do poker. Obrigado por ter aceitado.
— Obrigado pelo convite.
— Como você conheceu o poker?
— Por volta dos 10 anos, jogava 5-card draw com meus amigos. Naquela época, eu ainda morava na Lituânia.
— Muitos nem sabem o que você fazia antes do PokerStars.
— Eu me formei na universidade em Moscou e depois trabalhei muitos anos na IBM. Me mudei para Toronto (Nota do editor: Isai emigrou da União Soviética para Israel e, de lá, sua família se mudou para o Canadá). Foi lá que comecei a jogar bastante poker, inclusive online. Lembro-me das primeiras salas — Paradise e partypoker. Eu não gostava delas.
— O que exatamente não te agradava?
— Não havia torneios. E eu tinha certeza de que os MTTs eram o futuro do poker online. Os jogadores amam torneios. Durante todos os anos em que estive à frente do PokerStars, recebíamos constantemente perguntas: “Por que vocês não adicionam mais torneios?” E mesmo assim, nós já tínhamos muitos. Se a memória não falha, no auge do boom do poker, chegamos a organizar cerca de 500.000 torneios por dia, incluindo os SNGs. O software da Party também era mediano, e, no Paradise, eu gostava de tudo, exceto pela ausência de torneios.
— Largar a carreira na IBM para abrir a sua própria sala parece um passo bem ousado. Como você tomou essa decisão?
— No começo, não havia nenhum plano para criar o PokerStars. Eu saí da IBM com o objetivo de fundar, junto com meu filho Mark, nossa própria empresa. Planejávamos desenvolver software para poker, bridge e xadrez. A ideia de criar uma sala de poker só surgiu mais tarde, quando, na fase de beta test, ficou claro que havíamos criado um software de poker excelente. Inicialmente, pensamos em vender licenças para outras empresas, porque não tínhamos a menor ideia de como administrar um site de poker. Mas todos os potenciais clientes eram gananciosos demais, queriam praticamente de graça. Depois de várias negociações frustradas, em 2001, decidimos lançar nossa própria sala.
— Houve rumores de que alguns funcionários te convenceram a escrever um código que desse aos desenvolvedores acesso às cartas dos jogadores. Mas você vetou a ideia.
— Não foi exatamente assim. Houve uma discussão com os desenvolvedores, que sugeriram que uma das versões do cliente permitisse isso na fase de testes. Mas eu fui totalmente contra desde o início, e nunca mais houve debate sobre o assunto. Expliquei que isso só poderia trazer consequências negativas e praticamente nenhum benefício. Enquanto eu estive no PokerStars, ninguém teve acesso às cartas dos jogadores — nem desenvolvedores, nem gerentes, nem eu mesmo.
— Então, no PokerStars, um escândalo como o da Ultimate Bet era impossível, mesmo teoricamente?
— Sim. Eu entendia perfeitamente o tamanho da tentação e não queria colocar os funcionários nem sequer em risco teórico.
— Outra característica marcante do PokerStars no início foi o suporte impecável. Por que isso era tão importante para você?
— Pela minha experiência de vida. Nada é mais importante do que os clientes e, para deixá-los satisfeitos, o suporte precisa funcionar perfeitamente. Abrimos um enorme centro de suporte na Costa Rica e contratamos pessoas experientes — engenheiros, professores e outros. Eles não só eram competentes, mas também amavam poker. Todo mundo estava feliz. Desde o início, decidimos que nenhum problema seria resolvido por telefone, apenas por e-mail. E tínhamos um padrão: qualquer mensagem deveria ser respondida em até 30 minutos.
— Nós também passamos por isso. Quando fui contratado pelo PokerStars, por um tempo eu respondia e-mails de jogadores, embora meu cargo não fosse no suporte. Considerava-se uma experiência útil para todos os funcionários.
— Exatamente. Tenho certeza de que essa é a melhor maneira de entender o que os clientes querem. Isso era um requisito obrigatório para novos funcionários do marketing e da alta gestão. Se você não consegue responder a uma pergunta simples por e-mail, o que está fazendo na empresa?
— E você também fazia isso, certo?
— Sim, isso me ajudava a entender o que realmente acontecia dentro da empresa.
— O PokerStars rapidamente se tornou a maior sala do mundo, mas também passou por tempos difíceis. Um dos momentos mais decisivos foi a aprovação da UIGEA. Qual foi a sua primeira reação?
— Sempre considerei o poker um jogo de habilidade. Quase todo o meu círculo pensava da mesma forma. Quando a UIGEA foi aprovada, muitos ficaram assustados, mas estava claramente escrito que a lei afetaria apenas jogos baseados em sorte. Depois, isso foi confirmado por um tribunal americano, e continuamos a operar normalmente. Tínhamos um exército de advogados experientes que garantiram que não havia motivo para preocupação. O ponto crucial é que nunca tivemos jogos de cassino, apenas poker. Apesar de termos recebido diversas propostas, sempre recusei.
— Com o tempo, você transferiu a empresa para a Ilha de Man. Segundo rumores, você ainda vive lá. O que te atraiu nesse lugar?
— Por questões de licenciamento e regulamentação, ficou claro que precisávamos mudar para a Europa. Consideramos algumas opções, mas escolhemos a Ilha de Man por dois motivos principais: primeiro, a licença concedida lá era considerada uma das melhores; segundo, a área de tecnologia da informação já era muito desenvolvida. Como estávamos crescendo rápido, isso era crucial para nós. Nos mudamos para lá em 2005.
— Você ainda está envolvido com o poker. Em 2022, você recebeu o WPT Honors Award e participou do evento principal da WSOP. Por que você continua jogando, sendo que, obviamente, não é pelo dinheiro?

— É simples, eu amo muito os torneios de poker. Agora tenho mais tempo livre e posso ir a Vegas. Aliás, a primeira vez que joguei na World Series foi em 1996 ou 1999, não lembro exatamente. Isso foi antes do PokerStars, quando eu ainda trabalhava na IBM. Entre ITM em um torneio de $2.500, e até hoje tenho ótimas lembranças disso. Agora também gosto muito do poker ao vivo, por isso, às vezes, vou a Vegas. De fato, o dinheiro não me interessa; vou mais pela atmosfera.
— Em 2014, você ganhou um torneio realizado na Ilha de Man. É verdade que, no heads-up, o adversário te ofereceu um acordo e você recusou educadamente?
— Para ser honesto, não me lembro disso. Mas mesmo quando jogava em Toronto, nunca aceitei dividir. Acordos são feitos quando se joga por dinheiro. Se o adversário realmente sugeriu dividir, nossas negociações certamente não duraram muito.

— Você não gosta de falar sobre o seu papel no poker. Mas você entende que, sem você, o poker de hoje seria completamente diferente, certo?
— Eu acredito que o PokerStars tem dois grandes méritos. Primeiro, as pessoas realmente gostavam de jogar conosco por causa da boa programação de torneios, do tratamento justo com os jogadores e de muitos outros pequenos detalhes que faziam a diferença. O segundo ponto é que conseguimos devolver o dinheiro aos jogadores depois da “Black Friday”. Fomos obrigados a deixar os Estados Unidos, mas eu disse imediatamente que o dinheiro dos jogadores americanos estava totalmente seguro.
Os advogados me disseram que isso poderia levar anos, mas eu cortei qualquer discussão sobre atrasos e exigi que os pagamentos começassem imediatamente. Levamos apenas algumas semanas para conseguir a autorização do Departamento de Justiça dos EUA. Eles valorizaram nossa disposição e comprometimento em pagar integralmente os jogadores.
Os jogadores do Full Tilt tiveram muito menos sorte. Mas, para mim, era importante que eles também recebessem seu dinheiro, porque eu sentia que toda a indústria do poker estava em risco. E conseguimos resolver isso também. Nosso caso foi único: os ativos de um réu foram vendidos para outro, algo que, pelo que sei, aconteceu pela primeira vez na história.
Também era muito importante para mim que nenhum funcionário fosse prejudicado. Posso me orgulhar de dizer que, por causa da “Black Friday”, ninguém foi demitido. Transferimos quase todos para a Europa, onde a empresa continuou crescendo. No PokerStars, sempre seguimos um princípio: clientes e funcionários são o mais importante. O dinheiro vem depois, nunca antes.
— E com o que você está envolvido atualmente?
— Passo muito tempo com meus netos e também estou bastante envolvido no mundo do xadrez. Meu pai era jogador e representou a seleção da Lituânia em duas Olimpíadas de Xadrez (Nota do editor: jogando na segunda mesa!). Quando criança, também jogava, mas larguei na escola. Já adulto, voltei a jogar no Chess.com e gostei muito. Hoje, jogo quase todos os dias e até comprei uma participação na empresa.
Também ajudo meus filhos a tocarem os negócios a partir do meu escritório em casa. Além disso, estamos profundamente envolvidos com projetos de caridade no mundo todo. Toda a família participa. Por exemplo, meu filho Rob fundou o Dog Tales, um dos maiores abrigos para cães do mundo. Recentemente, ele também construiu uma grande clínica veterinária.
— Voltar para o negócio do poker não te interessa nem um pouco?
— Recebo propostas de tempos em tempos, mas não vejo sentido nisso. Repetir o que fizemos com o PokerStars é impossível. Esse trem já partiu. Mas nunca digo “nunca”; pode ser que, amanhã, alguma coisa mude.
— E como você gostaria de ser lembrado pelas próximas gerações?
— Já conversamos sobre isso: quero ser lembrado por ter garantido que, depois da “Black Friday”, milhares de jogadores pudessem recuperar seu dinheiro.
Alguns dias após esta entrevista, Chris Moneymaker contou ao Poker.org sobre sua experiência com Isai Scheinberg.
— Depois da vitória no Main Event de 2003, você certamente recebeu inúmeras propostas, certo?
— Não. Ninguém me procurou, porque não havia muitas salas de poker e os contratos de patrocínio com jogadores eram algo novo. O PokerStars, talvez, fosse a única sala com esse tipo de iniciativa. O Tom McEvoy foi o primeiro embaixador deles.
— Você se lembra de qual contrato eles te ofereceram?
— $5.000 por mês. Pensei: “Estão me oferecendo $60.000 por ano para eu não fazer praticamente nada.” No meu trabalho principal, eu ganhava menos. Pareceu um bom negócio! Perguntei onde assinar e fechei um contrato de três anos.
— Depois do crescimento explosivo do PokerStars, você se arrependeu de ter assinado um contrato por um período tão longo?
— Não muito. Isso é negócio. Minha ideia era cumprir os três anos e, depois, renegociar o contrato ou ir para outra sala.
— O que aconteceu quando terminou o primeiro ano?
— O próprio Isai Scheinberg veio falar comigo e disse: “Subestimamos muito a sua influência no jogo e na nossa empresa.”
Em seguida, disse que rescindiria o contrato antigo para que pudéssemos discutir novos termos. Naquele momento, percebi que trabalharia para esse homem pelo tempo que ele quisesse.
— Você pediu um aumento de salário?
— Não pedi nada e não demonstrei nenhum descontentamento. Sou um adulto. Talvez o contrato inicial fosse injusto, mas eu o assinei. No momento da assinatura, parecia um ótimo negócio; um ano depois, já não era mais. Mesmo assim, estava pronto para cumprir os dois anos restantes.
Quando o Isai me ofereceu um novo contrato, eu disse que estava disposto a trabalhar com ele até “as rodas caírem”. E foi exatamente o que aconteceu: saí somente depois que ele vendeu a empresa.

Moneymaker e Daniel Negreanu, mesmo sendo do GGPoker, pedem a inclusão antecipada de Isai Scheinberg no Hall da Fama do Poker. “O Grinder foi justamente incluído no Hall da Fama sem votação. Se existe alguém no setor que merece o mesmo tratamento, esse alguém é o Isai”, escreveu Daniel Negreanu. “Ele foi um inovador e, depois, praticamente salvou o poker. Por isso, tem todo o direito de estar no Hall da Fama. Ponto.”