— Cary, obrigado por vir! Muita gente te conhece como uma das pessoas mais influentes do poker, mas você começou em um setor completamente diferente. Conta pra gente com o que trabalhava.

— Sempre fui vendedor — primeiro de planos de aposentadoria, depois de seguros. É um trabalho extremamente difícil, porque você escuta “não” umas cem vezes por dia, mas, sem querer, acaba aprendendo a ser persistente. Se você sabe vender, consegue construir um negócio.

— E como você criou uma empresa que movimentava bilhões?

— Quando eu tinha 29 anos, fundei a College Loan Corporation, que trabalhava com empréstimos estudantis. O primeiro ano foi um pesadelo — emprestamos apenas 20 milhões, tivemos prejuízo por causa dos custos enormes, e eu acordava no meio da noite com medo de que tudo desabasse. E ainda por cima eu já tinha cinco filhos, tendo investido todas as minhas economias no negócio.

— O que ajudou a sair dessa?

— Encontramos o produto certo: começamos a oferecer aos estudantes a consolidação federal de empréstimos — ou seja, eles juntavam todas as dívidas em um único pagamento mensal, e ainda com juros mais baixos. Pra muita gente isso foi uma salvação, e pra nós, um ponto de virada: no segundo ano movimentamos 780 milhões, no seguinte, 3 bilhões, e assim tudo deslanchou.

— Uma espécie de upswing nos negócios?

— Sim, mas não foi só sorte — eu simplesmente não desisti cedo demais. Nos negócios, assim como no poker, não é preciso ser o mais inteligente; o essencial é não abaixar a cabeça depois da primeira bad beat. Construímos uma empresa enorme, e 75 dos nossos funcionários viraram milionários. Isso é o verdadeiro sucesso — criar algo que continua existindo sem você. Eu deixei o cargo de CEO ainda em 2013.

— Você disse que negócios e poker são parecidos. Em que sentido?

— Em ambos os casos, você toma decisões com base em informações incompletas. Se acredita na ideia e sabe avaliar riscos, é como dar um all-in: uma aposta consciente e calculada em si mesmo. Tivemos upswings e downswings: às vezes você acorda às três da manhã pensando “ficamos sem dinheiro algum”. Depois, a empresa decola, e é como ganhar um flip importante. Mas você não sente euforia — apenas gratidão por ter sobrevivido.

48378-1761243050.webp

— Parece que você vê as vendas como uma habilidade universal, tanto nos negócios quanto no poker.

— Exatamente. Na vida, você está sempre vendendo algo: uma ideia para sua esposa ou filhos, uma decisão correta para os funcionários. O principal não é apenas convencer, mas cumprir o que promete — sem isso, nada funciona. O poker também é sobre confiança: se você não mantém sua palavra, ninguém vai querer comprar uma parte sua, te emprestar dinheiro ou te chamar para o jogo.

— Como você acabou se envolvendo com o poker e se tornando um dos jogadores amadores mais bem-sucedidos?

— Depois que deixei os negócios, fiquei com muito tempo livre e comecei a jogar todos os dias, apenas para preencher o vazio. No início era um hobby, depois virou uma paixão, mas nunca quis ser profissional. Não fico estudando solvers nem construindo modelos; jogo com base na intuição, tentando sentir as pessoas.

— Dizem que você é o único que já bancou Bryn Kenney.

— Sim, ele tem um sexto sentido que é impossível de ensinar. Aprendi muito com ele, porque ele enxerga coisas que os outros simplesmente não veem. Nesse sentido, eu realmente sou um “imitador”: todas as melhores ideias já foram inventadas, basta pegar o que funciona e adaptar ao seu estilo. O Poker Masters, com o paletó roxo, é uma cópia do The Masters do golfe; o Super High Roller Bowl é um análogo do Super Bowl. Não podíamos usar esse nome, então escolhemos algo o mais parecido possível. Quando você cria uma nova marca, tenta fazer com que as pessoas entendam intuitivamente do que se trata. Por isso, Poker Masters soa como uma série esportiva — e as pessoas captam o formato de imediato. Isso economiza milhões em publicidade!

— Vamos falar do PokerGO. Como tudo começou?

— Em 2015, lancei o Poker Central, pensando: “se existe um Golf Channel, por que não um Poker Channel?”. Começamos com um canal de TV próprio e depois migramos para o online. Quando lançamos o PokerGO, a marca renasceu completamente — agora tudo está unificado sob esse nome.

48374-1761243049.webp

— E hoje o PokerGO é a maior marca de mídia do poker!

— Fazemos cerca de cem transmissões ao vivo por ano, sendo 40 delas da WSOP. Vou ser sincero: é um negócio muito caro. Só a produção de conteúdo durante a World Series custa cerca de cinco milhões de dólares; sem assinatura paga, seria impossível cobrir esses custos. Também temos PokerGO Brazil, PokerGO India, PokerGO Español e parceiros no Japão. Nossas transmissões e programas somaram mais de cinco bilhões de minutos assistidos este ano — e isso é só o começo! Produzimos conteúdo, construímos estúdios, desenvolvemos circuitos, fazemos parcerias com grandes marcas. Poker Masters, Super High Roller Bowl, US Poker Open — tudo isso agora está sob o mesmo teto, e seguimos crescendo.

— O maior desafio nas transmissões de poker é o atraso, certo?

— Todos os esportes são transmitidos ao vivo, mas o poker não pode ser exibido sem delay por exigência das comissões de jogo — o mínimo é de 30 minutos. Isso impede apostas em tempo real; se um dia forem liberadas, o poker se tornará um esporte completo. Quando começamos, queríamos que o poker fosse um esporte que as pessoas assistissem com o mesmo interesse que golfe ou tênis. Mas não havia nenhuma experiência anterior, apenas uma direção geral. Hoje, o PokerGO é um ecossistema inteiro. Quero que o poker se torne um verdadeiro espetáculo, onde os espectadores não apenas assistam, mas façam parte da ação.

— Como você lida com as derrotas?

— Isso me levou cinquenta e cinco anos. Eu era como todo mundo: ficava bravo, reclamava das bad beats, achava que não tinha sorte. Toda vez que perdia um pote grande, me sentia uma vítima. Mas um dia percebi que estava cansado de ser infeliz — percebi o quanto somos sortudos por poder sentar nessas mesas. Estamos entre o 1% mais privilegiado do planeta: podemos jogar o jogo que amamos, correr riscos, sentir emoções, vibrar. Isso já é um luxo incrível! Por isso, parei de reclamar e aprendi a apreciar até as derrotas. Quando vou all-in com damas contra ás-rei e perco, tento sorrir e desejar boa sorte ao adversário — simplesmente porque tive a chance de jogar aquela mão.

— E você realmente aprendeu a se alegrar com as derrotas?

— Quase, ninguém consegue isso 100%. Mas esse tipo de mentalidade mudou minha vida — pela primeira vez senti como a energia muda quando você para de se irritar.

Quero contar uma história sobre como ganhei meu primeiro bracelete da WSOP. Joguei o heads-up contra um brasileiro. Atrás dele havia umas trinta pessoas gritando, batendo palmas, comemorando cada mão vencida como se fosse um gol. Eu liderava em fichas, 31 milhões contra 13, com big blind de 1 milhão — faltava um passo para a vitória.

As loucuras mais épicas no Main Event da WSOP 2025
Leia Leia

Então, meu oponente vai all-in com 9-8 suited e, claro, vence. Antes eu teria explodido, mas naquele momento simplesmente levantei, fui até os brasileiros e… comecei a comemorar com eles! Decidi que não queria estragar aquele momento. Logo na mão seguinte recebi ases, ganhei aquele pote, depois um flip, e alguns minutos depois — o bracelete. Não sou supersticioso, mas tenho certeza: se tivesse me irritado, teria perdido.
O universo ama quem é grato.

48377-1761243049.webp

— Uma reflexão forte. Li que as pessoas tendem a se concentrar nas coisas ruins, mesmo quando a vida delas melhora.

— É absolutamente verdade. Vivemos uma época incrível, mas tratamos o conforto como algo garantido. Nossos “sofrimentos” são o Wi-Fi que cai ou uma má mão no poker, enquanto há apenas cem anos as pessoas perdiam filhos por doenças e passavam fome. Quando percebi o quanto somos privilegiados, comecei a encarar os fracassos com mais leveza. Por isso tento cultivar a gratidão: se você conseguiu viver mais um dia, encontrar amigos e jogar poker — já é uma celebração. Quando você busca o que é bom, o bem vem até você. Já vi jogadores se autodestruírem: sentam-se cabisbaixos depois de um cooler e atraem energia negativa. Em certo momento percebi que, cada vez que fico com raiva, eu mesmo construo uma prisão — e vivi nela por cinquenta e cinco anos. Agora só quero ser livre.

— Vamos falar da saúde física. Em uma entrevista, você disse que está na melhor forma da sua vida.

— Sempre estive de 7 a 9 quilos acima do peso e vivia arrumando desculpas: “trabalho demais, sem tempo, compromissos”. Depois dos 50 anos, percebi que, se não começasse a cuidar do corpo, perderia o jogo chamado vida. Agora sigo o princípio 18/6: como duas vezes por dia — ao meio-dia e às seis da tarde — e não faço lanches. Isso me deu uma energia absurda.

— E você cortou o açúcar completamente?

— Sim. Fui viciado em chocolate por 55 anos — comia três barras por dia. O açúcar te deixa com fome o tempo todo, porque o nível de insulina fica oscilando. Mas após duas semanas sem açúcar, o paladar muda, as bactérias da boca se adaptam e o desejo simplesmente desaparece.

— Que conselho daria a quem quer parar também?

— Sobreviver às duas primeiras semanas. Existem “códigos de trapaça” que ajudam: chicletes sem açúcar, sobremesas com adoçantes, sorvetes com poucos carboidratos. O importante é resistir — depois disso, tudo fica fácil.

— Você fala bastante sobre treino de força. Por que ele é tão importante?

— Porque é o principal instrumento da longevidade! Se alguém que nunca treinou começar a levantar peso pelo menos três vezes por semana, o risco dos quatro “cavaleiros” (câncer, doenças cardíacas, cerebrais e sanguíneas) cai drasticamente. Faço cerca de 150 treinos por ano, três vezes por semana. Além disso, faço a mesma quantidade de sessões de yoga para recuperar o corpo.

— A yoga compensa esses treinos?

— Depois do ferro, o corpo fica tenso; a yoga o solta. O mais difícil pra mim é fazer cardio, então este ano estabeleci a meta de completar 40 sessões. Estou um pouco atrás do cronograma, confesso.

— Você também mencionou a crioterapia. Pode contar mais?

— Faço três vezes por semana, a -160 °C. É como ser um “congelador humano”. Você entra, fica três minutos e sai com uma sensação incrível — como depois de uma boa meditação. O frio é o melhor estimulante natural de endorfinas, além de fazer milagres para os joelhos e articulações — um verdadeiro alívio após lesões. Também faz bem para o cérebro: melhora a concentração, o humor e a clareza mental. O mais difícil é começar — igual à academia: antes de se acostumar, parece um tormento.

48376-1761243050.webp

— E como tudo isso se relaciona com os negócios? Muitos diriam: “Fácil falar quando se tem dinheiro”.

— É verdade: quando você tem 30 anos, filhos e dívidas, é difícil encontrar equilíbrio. Mas acredito que, no fim das contas, é justamente o equilíbrio que te torna eficiente. Quando eu era jovem e trabalhava 12 horas por dia, comia mal e achava que era normal. Depois percebi: a energia é o capital mais importante — sem ela, não há negócio nem poker.

— Então o fitness se tornou parte do seu trabalho de autodesenvolvimento?

— Eu encaro o corpo como um projeto. Quando você constrói uma empresa, não espera ela desmoronar para começar o reparo. É a mesma coisa aqui: é melhor prevenir do que remediar. Depois dos cinquenta, você entende que o principal é deter o tempo. As crianças acham que o verão dura uma eternidade porque tudo é novidade; os adultos sentem os dias voarem porque nada muda. Para desacelerar o tempo, é preciso criar novas experiências, mudar, se surpreender. Quero viver os próximos trinta anos mais devagar — perceber os detalhes e estar presente no momento.

— Você tem seis filhos e seis netos. Como consegue conciliar isso com os negócios e o poker?

— Esse talvez seja o maior desafio. Passei tempo demais focado no trabalho; agora tento fazer o contrário — estar por perto, ouvir, observar. Meus filhos já cresceram, e tento ser um exemplo para eles, não o pai que vive em reuniões.

— Incentivou neles o amor pelo poker?

— Não imponho, mas eles se interessam, porque o poker é uma grande escola da vida. Ensina a tomar decisões e assumir responsabilidade por elas.

— Você é o autor da inovação mais difundida dos últimos anos no poker — o big blind ante nos torneios. Como surgiu essa ideia?

— Eu estava jogando na Aria e percebi que o dealer gastava cerca de um minuto a cada mão só recolhendo os antes. Estávamos num nível 400/800 com ante 75, e cada jogador ficava contando as moedinhas. Um dia, vi num cash game que o big blind pagava o ante por todos e pensei: por que não fazer isso nos torneios? Testamos — e tudo ficou mais rápido e lógico. No começo experimentamos: o ante era metade, depois o dobro, e em seis meses encontramos o equilíbrio ideal — um para um. Hoje isso é o padrão no mundo inteiro. Às vezes o genial é simples.

— Nos negócios você arriscou muito dinheiro. No poker também. O que diferencia esses riscos?

— No negócio, a aposta é para anos à frente; no poker, é para uma única mão. Mas os princípios são os mesmos: entenda por que está fazendo aquilo e não se arrependa se o resultado não for o que esperava. Às vezes você perde mesmo fazendo tudo certo — e está tudo bem.

— Como avalia o seu nível de jogo hoje?

— Acho que jogo com +EV nos torneios de estúdio do PokerGO (risos), mas online, com certeza, sou perdedor. Lá a matemática manda — e eu jogo com o coração.

— Você já tem um bracelete, dezenas de títulos, um negócio bem-sucedido e uma plataforma de mídia. O que vem a seguir?

— Quero vencer os quatro “majors” do PokerGO: Poker Masters, US Poker Open, Super High Roller Bowl e PokerGO Cup. Já conquistei dois; faltam mais dois. Quero completar todos até 2030.

48379-1761243050.webp

— Ambicioso!

— O mais importante é não ter pressa. Não estou correndo atrás de resultados, apenas amo o processo em si: jogar, conhecer pessoas, observar as reações delas.

— Você tem 55 anos, mas parece ter mais energia do que muitos de 30.

— Só parei de desperdiçar energia com o negativo. Esse é o melhor “doping” possível — parar de se irritar. Antes, eu ficava remoendo decisões ruins por dias; agora simplesmente deixo ir. A energia que antes era gasta com arrependimento volta para a vida!

— Boa fórmula — menos raiva, mais energia.

— E mais alegria! É simples: quando você é grato, vive mais.

— Existe uma frase que resuma sua filosofia hoje?

— Pegue a onda. Poker, negócios, vida — tudo são ondas, altos e baixos. Se você lutar contra a corrente, vai se afogar; se relaxar e aceitar, chega onde precisa. O essencial é curtir o movimento.