O treinador-chefe do GTO Wizard, Tom Boshoff, recentemente mostrou no Twitter um gráfico desanimador de algum coitado:

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E comentou assim:

Bem, hora de estragar o humor dos seguidores.

Olhe essa loucura no print: um regular azarado está 70 buy-ins abaixo do esperado em 250.000 mãos. E aí eu tenho uma pergunta para vocês: o que acham, depois de mais um milhão de mãos, a linha amarela e a verde vão ficar mais próximas ou se afastar ainda mais? Elas devem se encontrar?

A maioria dos jogadores acredita intuitivamente que as linhas vão inevitavelmente se aproximar se jogarmos por tempo suficiente. Mas isso é um equívoco: o baralho não tem memória. Não existe nenhum karma do poker que “deva” 70 buy-ins ao nosso herói. Não há força mágica puxando o lucro em direção ao EV.

Com a mesma probabilidade, as linhas podem se aproximar ou se afastar ainda mais. Em termos matemáticos, a diferença permanecerá no mesmo nível de 70 buy-ins. A downswing não aumenta a chance de um upswing no futuro. Aceite isso como fato — os deuses do poker são indiferentes ao seu sofrimento.

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Um dos seguidores perguntou qual a chance de um regular com winrate de 6 BB/100 pegar um streak assim. “Aproximadamente a mesma de pagar no turn com um gutshot e acertar o straight no river”, respondeu Tom.

Muita gente comentou que já passou por terrores semelhantes. Um dos jogadores compartilhou sua dor:

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“Aqui estão 60 buy-ins abaixo do esperado em 12 meses, jogando $10/$20. Esse gráfico está um pouco desatualizado, hoje já estou 70 buy-ins abaixo. Desses, 30 são totalmente culpa dos pocket kings.

Quando eu jogava heads-up hyper turbo, cheguei a estar 600 buy-ins abaixo do EV. ‘Recuperei’ apenas 150 buy-ins. Se as linhas se afastam muito, é bem provável que nunca voltem a se encontrar. A maioria dos jogadores não entende o quão cruel é a variância.”

Nos comentários, também lembraram um excelente artigo de Patrick Howard, escrito em 2019 sobre esse mesmo tema — sobre o inferno que pode aguardar os regulares, mesmo com winrates respeitáveis. Nós o traduzimos para você. Vamos sentir medo juntos.

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Como não se enganar avaliando a variância

Sou um grande fã da calculadora de variância PrimeDope. Assim que começa um downswing, eu corro para lá colocar os números e saborear o quanto estou sendo esmagado pela variância. Mas em algum momento percebi que havia algo errado nos meus cálculos. Eles pareciam absurdos às vezes! Por algum motivo, eu e meus amigos regulares frequentemente enfrentamos streaks que a calculadora considera irrealistas.

Eu já vi gráficos de jogadores com 50–60 buy-ins abaixo do esperado. E todos esses caras são regs fortes com winrates altos. Vamos ver como a calculadora avalia a chance de um jogador que vence a 7 BB/100 pegar um downswing de 50 buy-ins em 50.000 mãos:

  • Winrate na amostra: 7 BB/100
  • Desvio padrão: 100 BB/100
  • Winrate no período analisado: –10 BB/100
  • Número de mãos: 50.000
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A calculadora afirma que um run tão ruim (ou pior) tem apenas 0,0072% de chance de acontecer. Ou seja, 1 para cada 14 mil! E eu, repito, já vi isso mais de uma vez.

É claro que os cálculos não são perfeitos. Eles assumem que o winrate do jogador é estável — o que não é verdade. As mesas mudam, as pessoas tiltam e começam a jogar pior (o que aumenta a probabilidade de queda). Mas não precisamos de números exatos. Se a calculadora estiver aproximadamente correta, isso já é impressionante! Como pode ser 1 em 14 mil?

Spoiler: a calculadora está certa. O erro está na interpretação. Esses 1 em 14 mil são a probabilidade de obter esse resultado em uma única amostra de 50.000 mãos. Mas os jogadores de que estou falando jogam milhões de mãos. Naturalmente, a chance de pegar tal streak aumenta drasticamente.

Como calcular corretamente?

O problema é evitar o chamado “viés de seleção” (selection bias).

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Uma palestra em uma conferência para especialistas em estatística

— Levantem a mão aqueles que sabem o que é erro de seleção!

Todo mundo levanta a mão

— Como podem ver, é um conceito amplamente conhecido.

Imagine o diálogo:

— Ontem joguei uma moeda para o alto e deu cara 10 vezes seguidas!

— Caramba! Isso é 1 em 1.000!

— É! Insano, né?

— Quantas vezes você lançou a moeda?

— Ah… umas 500.

A história perde a magia. A chance de ver 10 caras seguidas em 500 lançamentos não é mais 1 em 1.000. Ainda é raro, mas não surpreendente. Jogadores de poker ignoram isso o tempo todo. Não sabem avaliar a variância como ela realmente é.

Quanto mais tentativas, maior a probabilidade de que aconteça um evento raro. Regulares jogam centenas de milhares de mãos por ano. E cada uma dessas mãos é o início de uma nova amostra. Portanto, a pergunta correta não é “qual é a probabilidade de uma determinada downswing em tal número de mãos?”, mas sim: “qual é a probabilidade de pegar uma downswing forte em uma amostragem muito grande?”

O PrimeDope não consegue calcular isso, então pedi a um amigo muito inteligente para fazer os cálculos para mim (Rob, obrigado, meu camarada). E aqui está o que obtivemos:

Simulações de downswings

Pegamos 10.000 regulares abstratos com winrates idênticos. Cada um jogou 3 milhões de mãos (algo semelhante à amostragem total de uma carreira online). E para cada um desses 10.000 jogadores virtuais medimos o maior downswing que sofreram durante todo o período.

Eis o que vimos:

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Aqui estão os resultados:

  • Downswing máximo médio: o tamanho médio da maior queda que se espera enfrentar pelo menos uma vez.
  • Limite de confiança de 90%: podemos ter 90% de certeza de que o maior downswing não ultrapassará esse valor.
  • Limite de confiança de 95%: o mesmo conceito, mas com 95% de confiança.

Jogadores com winrate de 5 BB a cada 100 mãos registraram, em média, um downswing máximo de 7.000 BB (70 buy-ins).

Jogadores com winrate de 10 BB a cada 100 mãos — 4.300 BB.

Tudo faz sentido: quanto maior a winrate, mais suaves são os swings. Mas nas extremidades as coisas se complicam. O limite de confiança de 95% para um jogador com winrate de 10 BB a cada 100 mãos chega a 6.600 BB (66 buy-ins).

Também fizemos simulações para amostras de 1 milhão, 250.000 e 50.000 mãos, para avaliar amostragem mais palpáveis:

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O que é importante entender

Digamos que você seja um jogador com winrate de 7,5 BB a cada 100 mãos e esteja enfrentando uma downswing de 3.100 BB. Em uma amostra de 250.000 mãos, de acordo com nossos cálculos, isso corresponde exatamente à downswing máxima média. Em outras palavras: nada de extraordinário. Se você joga 20.000 mãos por mês, vai passar por um sequência assim aproximadamente uma vez por ano.

Mas pode ser ainda pior. O intervalo de confiança de 95% chega a 5.900 BB. É improvável — mas totalmente normal dentro da variância esperada.

Resultado nada animador

Os jogadores subestimam de forma grotesca a variância. A maioria dos regs com winrate de 5 BB por 100 mãos não acredita que possa perder 38 buy-ins seguidos. No entanto, esse é precisamente o downswing médio que devem esperar a cada 250.000 mãos. Um jogador que grindar pesado enfrentará quedas assim a cada 3 a 5 meses.

Se o que foi dito acima te assustou, talvez seja hora de refletir se o seu bankroll é realmente forte o suficiente. Não vou bancar o chato falando de bankroll management — cada um deve avaliar seus próprios riscos. Eu só quis mostrar que golpes devastadores não são apenas possíveis — eles são inevitáveis.

Você transformou o poker em profissão? Então aperte o cinto — a viagem vai ser turbulenta.